Evolução e Abordagem Multidisciplinar no Tratamento Ortodôntico / Ortopédico da Mordida Cruzada Posterior
- drmarlosloiola
- 12 de nov.
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I. Introdução
A mordida cruzada posterior é uma má oclusão transversal caracterizada pela relação anormal vestíbulo-lingual de um ou mais dentes posteriores da maxila com os dentes correspondentes e antagonicos da mandíbula. Esta condição, se não tratada adequadamente, pode levar a complicações como desgastes dentários, desenvolvimento assimétrico das bases maxilar e mandibular, além de algunos possíveis sintomas ligados a disfunções temporomandibulares [37]. Nas últimas duas décadas, o tratamento da mordida cruzada posterior passou por uma transformação sem precedentes, impulsionada pela digitalização da ortodontia e pelo advento da ancoragem esquelética. Revolucionou não apenas o diagnóstico e o planejamento, mas também as possibilidades terapêuticas, expandindo significativamente o espectro de pacientes que podem se beneficiar de tratamentos não cirúrgicos.
Este artigo vem apresentar uma análise informativa da evolução do tratamento nas ultimas decadas integrando evidências científicas de periódicos de alto impacto para abordar epidemiologia, etiologia, diagnóstico e os avanços nos métodos de tratamento e na indispensável abordagem interdisciplinar.

Figura 01: Esquema anatômico comparando a oclusão normal com a mordida cruzada posterior unilateral em vistas frontal e oclusal.
II. Caracterização, Prevalência e Etiologia
2.1 Prevalência
A mordida cruzada posterior é uma das más oclusões transversais mais comuns encontradas na prática ortodôntica, com sua prevalência variando consideravelmente em diferentes populações e estágios de dentição. Estudos epidemiológicos realizados nas últimas duas décadas fornecem um panorama detalhado dessa condição
A prevalência da mordida cruzada posterior varia consideravelmente, com estudos do European Journal of Orthodontics e Progress in Orthodontics aprofundando nossa compreensão. Na Europa, a prevalência em crianças e adolescentes situa-se entre 4% e 11% [1], enquanto na América, os índices são mais elevados, de 17% a 29% [1] [2]. A frequência na dentição decídua (7% a 23%) e mista (8.4% a 11%) é bem documentada [3] [4]. Essa disparidade pode ser atribuída a uma combinação de fatores genéticos, ambientais e diferenças nos critérios de diagnóstico e metodologias de pesquisa
Um ponto crucial, explorado no European Journal of Orthodontics, é a autocorreção. Estudos de Khda et al. (2023) e do Nascimento et al. (2023) mostram que, embora 1 em cada 10 crianças na dentição decídua apresente a condição, as taxas de autocorreção durante a transição para a dentição mista é baixa [38] [39]. Estudos longitudinais indicam uma tendência de aumento da prevalência da dentição decídua para a permanente se a condição não for tratada, ressaltando a importância da intervenção precoce. É crucial notar que a grande maioria dos casos, entre 80% e 97%, apresenta um componente funcional, caracterizado por um desvio mandibular durante o fechamento [4] [5].

Figura 2: Prevalência da mordida cruzada posterior e sua variação por estágio de dentição.
2.2 Etiologia
A etiologia é complexa, envolvendo fatores genéticos, ambientais, funcionais e de desenvolvimento. A compreensão dessas causas é fundamental para um diagnóstico preciso e um plano de tratamento eficaz. A deficiência transversal da maxila é a causa esquelética mais comum [6]. Hábitos como sucção não nutritiva prolongada [7] e a respiração bucal crônica [8] são causas primárias fortemente associadas. Os hábitos orais deletérios são frequentemente citados como causas primárias ou contribuintes para a mordida cruzada posterior. Os mais comuns estão a sucção prolongada do polegar, chupeta ou mamadeira, que pode alterar o equilíbrio de forças musculares, levando a uma maxila atrésica. A respiração bucal crônica, muitas vezes associada a obstruções nasais, resulta em uma postura baixa da língua, que deixa de exercer seu estímulo de expansão natural no palato, contribuindo para sua atresia. Uma postura lingual atípica, mesmo na ausência de respiração bucal, pode levar a um desequilíbrio muscular e à constrição do arco superior Uma revisão sistemática de Iodice et al. (2016) no European Journal of Orthodontics reforça a forte associação entre a mordida cruzada posterior e impacto na concepção de assimetrias no crescimento esquelético mandibular, em avaliações realizadas na atividade eletromiográfica (EMG) dos músculos mastigatórios e no ciclo mastigatório, destacando as consequências funcionais desta má oclusão quando não tratada [37].
Alterações Dentárias como anomalias na erupção e posição dos dentes também podem causar uma mordida cruzada posterior. A perda precoce de dentes decíduos, a retenção prolongada desses dentes, a presença de dentes supranumerários ou uma sequência de erupção desfavorável podem levar a desvios no caminho de erupção dos dentes permanentes, resultando em um relacionamento transversal incorreto.
III. A Evolução do Diagnóstico: Do 2D ao 3D
O diagnóstico preciso da mordida cruzada posterior evoluiu de uma avaliação puramente clínica e bidimensional por radiografias para uma análise tridimensional sofisticada com tomografias e escaneamentos .
3.1 Métodos Tradicionais
Historicamente, o diagnóstico baseava-se no exame clínico intraoral, na análise de modelos de gesso e em radiografias 2D, como as panorâmicas, oclusais, frontais PA e telerradiografias laterais. Embora ainda fundamentais, esses métodos apresentam limitações na visualização de assimetrias e na distinção precisa entre componentes dentários e esqueléticos. A introdução da fotografia intraoral frontal aprimorou a avaliação inicial e a comunicação com o paciente, oferecendo uma técnica minimamente invasiva para um melhor entendimento do plano de tratamento. O trabalho seminal de James A. McNamara Jr., publicado no Seminars in Orthodontics em 2019, resume quatro décadas de pesquisa, destacando a importância da dimensão transversal e estabelecendo critérios para identificar a deficiência maxilar, com o timing ideal para a expansão rápida da maxila sendo antes da puberdade [40].
3.2 A Revolução do Diagnóstico 3D
A popularização da Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) e dos escâneres intraorais transformou o diagnóstico. A TCFC tornou-se o padrão-ouro, permitindo uma análise 3D precisa das estruturas e proporções maxilo mandibulares, bem como do posicionamento condilar na fossa mandibular. Os trabalhos pioneiros de Daniela Garib no American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics foram valorosos para entender as alterações periodontais com precisão [28]. Um estudo de Choi et al. (2020) no Progress in Orthodontics utilizou TCFC também para investigar a prevalência de deiscências e fenestrações ósseas alveolares posteriores, ressaltando a importância de conhecer a anatomia óssea em adultos [10]. Essas novas ferramentas de diagnóstivo possibilitam também avaliar condições como a fusão ossea da sutura palatina médiana e servirem também de diganostico diferencial da mordidade cruzada dentaria da esquelética, através do estudo da posição dos molares, pré molares e caninos nos seus envelopes ósseos na maxila e mandibula.
Já o escanemento facilita e permite se realizar um fluxo de trabalho em ambiente digital que confere precisão na confeção dos aparelhos dijunstores e conforto ao paciente que muitas das vezes passam por quadors de nauseas com os materiais de moldagem. Além dos riscos iminentes de distorções na ato da moldagem, armazenamento e na confecção dos modelos de trabalho de gesso. As imagens escaneadas também servem como elementos de acompanhamento da evolução do tratamento possibilitando realizar sobreposições com imagens pós expansão buscando avaliar os ganhos reais dos protocolos instituidos.
A TCFC permite uma análise tridimensional (3D) precisa da relação maxilo-mandibular e das inclinações dentoalveolares, a avaliação detalhada da morfologia do palato e das vias aéreas superiores, e a identificação dos antes da expansão, minimizando riscos periodontais [10].Paralelamente, os escâneres intraorais gerando modelos digitais 3D de alta precisão. Não só aumentou o conforto do paciente, mas também permitiu análises mais detalhadas de assimetria e com a integração de dados com a TCFC, possibilita criar um "paciente virtual" para um diagnóstico e planejamento mais assertivos

Figura 3: Análise de cortes de TCFC para diagnóstico tridimensional da alteração maxilar.
IV. Planejamento de Tratamento: Estratificação e Personalização
O planejamento migrou de abordagens manuais para processos digitais e altamente personalizados.
• Planejamento Digital 3D: Softwares com setup virtual e planejamento reverso melhoraram a previsibilidade e a eficiência.
• Planejamento Estratificado por Idade e Maturação esqueletica.
◦ Crianças com cruzamento dentario: Foco na ortopedia dos maxilares.
◦ Crianças com maxila atrésica e adolescentes jovens: A expansão rápida da maxila (ERM) é o tratamento de eleição.
Em crianças (dentição decídua e mista), o foco é a ortopedia funcional dos maxilares, Placas de Expansão Removíveis utilizadas principalmente na para promover uma expansão lenta e predominantemente dentoalveolar com planejamento visando a interceptação precoce, removendo hábitos deletérios. E também utilizando aparelhos que promovam a expansão ortopédica da maxila, aproveitando o potencial de crescimento e a sutura palatina ainda aberta. Em adolescentes (dentição permanente jovem), a expansão rápida da maxila (ERM) é o tratamento de eleição para deficiências transversais esqueléticas. O planejamento foca em determinar a quantidade de expansão necessária e o tipo de aparelho mais adequado, considerando que a sutura palatina começa a se interdigitar.
Um estudo de Sayar et al. (2019) no Progress in Orthodontics demonstrou, a importância de avaliar o estágio de maturação da sutura palatina mediana via TCFC para prever os resultados esqueléticos e dentários da ERM [41].
◦ Adolescentes maduros e Adultos: O planejamento é mais complexo. O advento do MARPE (Aparelho Expansor ancorado em Mini Parafusos) mudou o paradigma da limitação das disjunções não cirurgicas, mas exige uma análise criteriosa da densidade óssea palatina via TCFC, para elejer situações clinicas com maiores possibilidades de sucesso [8].
V. Tratamentos Convencionais
5.1 Aparelhos Fixos e Removíveis
O aparelho expansor fixo com cobertura oclusal de acrílico, popularizado por McNamara, é um método eficaz para ERM em pacientes jovens [29]. O Quadhelix tornou-se uma escolha popular para crianças, e uma meta-análise de Alsawaf et al. (2022) no Progress in Orthodontics confirmou sua eficácia em aumentar a largura intermolar em comparação com as placas de expansão removíveis [42]. Para a ERM em adolescentes, os expansores Hyrax e Haas são os mais utilizados, sem diferenças clínicas significativas entre eles [28]. Um estudo de Silveira et al. (2021) no Progress in Orthodontics também comparou o MiniHyrax e o Hyrax convencional, onde não houveram diferenças significativas nos efeitos dentários, no impacto na qualidade de vida e na percepção da dor entre os adolescentes que usaram o os dois disjuntores na expansão rápida do palato. [43].

Figura 4: Aparelho expansor tipo Hyrax, um dos mais utilizados para a Expansão Rápida da Maxila (ERM) convencional.
5.2 Expansão Rápida (ERM) vs. Expansão Lenta (ELM): A Questão da Estabilidade
A dicotomia entre protocolos de expansão foi um tópico de grande interesse. A ERM, com ativações de 0.25 a 0.5 mm por dia, visa a abertura da sutura palatina mediana, promovendo um efeito majoritariamente esquelético. A ELM, com ativações mais graduais, produz efeitos mais dentoalveolares. Um estudo de Pinheiro, Garib, Janson et al. (2014) mostrou que a estabilidade a longo prazo é similar entre os dois métodos [12]. A estabilidade da correção da mordida cruzada posterior é bastante similar entre a expansão rápida e a lenta. A porcentagem de recidiva clínica não apresentou diferença estatisticamente significante entre os grupos, oferecendo aos ortodontistas maior flexibilidade na escolha do protocolo com base em outros fatores clínicos, como a idade e a maturação esquelética do paciente
Uma revisão sistemática e meta-análise mais recente de Rutili et al. (2022) no Progress in Orthodontics aprofundou essa comparação, analisando detalhadamente os efeitos dento-esqueléticos de ambos os protocolos, fornecendo dados robustos para a decisão clínica [34].
6.1 MARPE (Miniscrew Assisted Rapid Palatal Expansion):
O MARPE representa uma mudança de paradigma. Ao utilizar mini parafusos inseridos no palato para apoiar o expansor, onde a força é transferida diretamente para a sutura palatina mediana, com envolvimento mínimo dos dentes. Os trabalhos de Kim et al. em 2018 foram agregadores para seu desenvolvimento [30]. Um artigo de revisão crítica de Park et al. (2025) no Seminars in Orthodontics destaca que o MARPE emergiu como uma alternativa viável, segura e custo-efetiva para adolescentes tardios e adultos [44]. Estudos no Angle Orthodontist, como o de Choi et al. (2023), investigaram variáveis como o comprimento dos mini-implantes, mostrando que parafusos mais longos podem aumentar a expansão do osso basal maxilar [45].

Figura 5: Aparelho MARPE com ancoragem esquelética com mini parafusos.
Outras Aplicações da ancoragem esquelética por Autores de renome internacional visam otimizar os tratamentos ortodônticos. Os trabalhos como do Professor Alemão Benedict Wilmes popularizaram o uso de aparelhos distalizadores ancorados em mini parafusos palatinos (como o Pendulum B), permitindo a correção de discrepâncias sagitais sem os efeitos colaterais da ancoragem convencional. Na Ásia, Chris Chang desenvolveu e difundiu o uso de parafusos na crista infrazigomática (IZC) como uma área de ancoragem robusta para uma variedade de mecânicas ortodônticas, incluindo a distalização de todo o arco superior e a correção de assimetrias transversais. Embora não sejam usados diretamente para a expansão, esses sistemas de ancoragem esquelética refletem a tendência de buscar um maior controle do movimento dentário com menor dependência da colaboração do paciente e sem sobrecarregar os dentes.
6.2 Alinhadores Transparentes: Uma Opção Estética para Expansão Dentoalveolar
Os alinhadores transparentes evoluíram para tratar casos selecionados de mordida cruzada de origem dentoalveolar, promovendo uma expansão lenta e controlada do arco como uma opção estética e confortável [15].
Configuram como uma Opção Estética para Expansão, os alinhadores transparentes, explodiram em popularidade nas últimas décadas, também evoluíram para tratar casos de mordida cruzada posterior. Inicialmente limitados a casos mais simples, com os avanços no material, no design de acessórios e nos softwares de planejamento (CAD/CAM), vem permitindo a incorporação de protocolos de expansão sequencial. Em casos selecionados, principalmente de mordida cruzada de origem dentoalveolar, os alinhadores podem promover uma expansão lenta e controlada do arco, representando uma opção de tratamento estética e confortável para o paciente.
O protocolo de expansão com alinhadores envolve uma série de placas que promovem movimentos dentários graduais. A previsibilidade do movimento é aumentada com o uso de attachments, que servem como pontos de aplicação de força. Para casos que exigem maior expansão, podem ser utilizados recursos auxiliares, como elásticos intermaxilares e mini-implantes, para fornecer ancoragem adicional e direcionar as forças de forma mais eficaz. No entanto, a biomecânica dos alinhadores apresenta limitações, especialmente no controle radicular e em movimentos de corpo, tornando-os menos eficientes que os aparelhos fixos para grandes expansões esqueléticas. São mais indicados para expansões dentoalveolares de até 4 mm em adultos cooperativos com boa saúde periodontal.
6.3 Aparelhos Metálicos Sinterizados em 3D: A Era da Customização Digital
A impressão 3D em metal (DMLS), representa a mais recente fronteira. Trabalhos de Graf at al. publicados no Seminars in Orthodontics, detalham o fluxo de trabalho totalmente digital para criar aparelhos customizados com ajuste perfeito [18] [31]. Demonstram que a impressão tridimensional (3D) em metal de aparelhos ortodônticos personalizados está na vanguarda da tecnologia ortodôntica. Diferentes técnicas de aditivos, bem como materiais, têm sido empregados para imprimir diretamente em metal 3D um aparelho ortodôntico. As vantagens potenciais dos aparelhos impressos em metal 3D incluem maior eficiência do tratamento, maior conforto do paciente, redução de consultas ortodônticas, redução de etapas do fluxo de trabalho, reduzindo assim as chances de erro e resultando em um ajuste mais preciso e melhor padronização. Este artigo tem como objetivo descrever as tendências atuais, biomateriais, fluxos de trabalho e implicações clínicas da impressão 3D de metal, a fim de ajudar os médicos a obterem alguns insights sobre esta nova tecnologia e permitir uma maior incorporação nos fluxos de trabalho ortodônticos digitais contemporâneos.
Um estudo de Sharma et al. (2025) no Progress in Orthodontics compara os resultados de tratamento entre MARPEs customizados impressos em 3D e os convencionais, apontando este recurso como o futuro da técnica [46].

Figura 6: O fluxo de trabalho digital completo, desde o escaneamento intraoral até a impressão 3D em metal (DMLS) de aparelhos ortodônticos customizados.
VII. A Opção Cirúrgica: SARPE e Corticotomia Unilateral
Para pacientes adultos onde a expansão não cirúrgica não é viável, a SARPE permanece o tratamento de eleição [23]. Uma abordagem inovadora foi proposta simulada em computador por elementos finitos realizado por Ulusoy et al. (2018) no Progress in Orthodontics, sugeriu uma SARME baseada em corticotomia unilateral poderá ser uma alternativa de tratamento eficaz e menos invasiva para casos de mordida cruzada posterior unilateral [47]. Sugerindo que a expansão transveral assimétrica da maxila pode ser obtida a partir de um parafuso gerador de força simétrico durante o tratamento SARME. As osteotomias SARME podem concentrar o estresse na maxila em expansão e reduzir a dor em outras partes do crânio.
VIII. Efeitos do Tratamento Expansivo na Função Respiratória
A relação entre a atresia maxilar e a respiração oral é um dos pilares da ortodontia interceptiva. Estudos baseados em CBCT, como os de Kim et al., demonstram consistentemente que a expansão maxilar promove um aumento significativo no volume da cavidade nasal e uma redução na resistência do ar nasal [30]. Um estudo de longo prazo de Mehta et al. (2021) no Angle Orthodontist comparou os efeitos de MARPE e ERM convencional nas vias aéreas. Ambos os métodos mostraram um aumento significativo no volume total das vias aéreas imediatamente após a expansão, mas no pós-tratamento, os ganhos diminuíram, embora ainda permanecessem significativamente maiores do que no início, com o grupo MARPE mantendo um ganho ligeiramente maior [48]. Isso reforça que, embora a expansão maxilar seja poderosa, seus efeitos a longo prazo devem ser considerados no contexto de uma abordagem terapêutica mais ampla, que frequentemente requer a colaboração com um otorrinolaringologista.

Figura 7: Comparação do volume da cavidade nasal antes e depois da expansão maxilar.
IX. Protocolo de Contenção e Estabilidade a Longo Prazo
A correção da dimensão transversal é suscetível à recidiva. Uma meta-análise de Schiffman & Tuncay (2001) já apontava para os desafios da estabilidade [49]. Um protocolo de contenção bem planejado é crucial para permitir a reorganização tecidual e a neoformação óssea.
• Protocolos por Métodos de tratamento:
◦ Pós-ERM Convencional: O expansor é mantido passivamente por 3 a 6 meses, seguido por uma contenção secundária (Barra Transpalatina ou Placa de Hawley).
◦ Pós-MARPE: O expansor é mantido por 4 a 6 meses. Um estudo de Naveda et al. (2022) no Progress in Orthodontics avaliou o padrão de reparo ósseo da sutura pós-MARPE, fornecendo insights sobre o tempo necessário para a maturação óssea antes da remoção do aparelho [46].
◦ Pós-SARPE: O período de contenção é mais longo, com o expansor mantido por 6 meses, seguido por uma contenção fixa por 12 meses ou mais.

Figura 8: Períodos de contenção recomendados para diferentes modalidades de tratamento.
• Fatores de Estabilidade: A estabilidade a longo prazo é influenciada pela idade, magnitude da expansão, correção de hábitos deletérios e, crucialmente, a obtenção de uma intercuspidação dentária adequada.
X. A Necessidade da Abordagem Interdisciplinar
O sucesso e a estabilidade a longo prazo dependem de uma abordagem colaborativa.

Figura 9: A abordagem interdisciplinar, centrada no ortodontista, é crucial para o sucesso do tratamento, envolvendo a colaboração com fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas.
10.1 Interação com a Fonoaudiologia: A Terapia Miofuncional Orofacial
A correção da forma do arco não garante a correção da função. A terapia miofuncional orofacial é indispensável para reeducar a postura lingual e a deglutição, prevenindo a recidiva [25]. O estudo de Iodice et al. (2016) no European Journal of Orthodontics corrobora essa necessidade ao demonstrar a forte ligação entre a mordida cruzada e as assimetrias na função muscular [37]. Indivíduos com mordida cruzada posterior unilateral apresentam menor força de mordida do que indivíduos sem mordida cruzada. Não há consenso entre os estudos que relatam assimetria na espessura dos músculos mastigatórios em indivíduos com mordida cruzada posterior unilateral. A mordida cruzada posterior unilateral está associada a um aumento no ciclo mastigatório reverso. A literatura disponível sobre o assunto apresenta qualidade científica e metodológica de média a baixa, independentemente da associação relatada. São necessárias mais investigações com amostras maiores, critérios diagnósticos bem definidos, metodologias científicas rigorosas e acompanhamento a longo prazo.
10.2 Interação com a Otorrinolaringologia: Garantindo uma Via Aérea Livre
Antes de iniciar a expansão, um médico otorrinolaringologista (ORL) deve avaliar e tratar quaisquer obstruções anatômicas, como a hipertrofia das adenoides e/ou tonsilas. Tentar expandir a maxila sem remover a obstrução primária é um risco para a recidiva [26]. Além da hipertrofia das adenoides e amígdalas, rinite crônica e alérgica, elementos irritantes ambientais, infecções, deformidades nasais congênitas, trauma nasal, pólipos e tumores, outro fator predisponente para a obstrução das vias aéreas superiores pode ser uma via aérea excessivamente estreita. A este respeito, alterações na morfologia das vias aéreas e dos problemas respiratórios. Existe uma influência da obstrução das vias aéreas no desenvolvimento do sistema estomatognático e corrobora com a teoria da matriz funcional, que descreve a influência das estruturas circundantes no desenvolvimento dentofacial.
XI. Decisões Clínicas: Análise Comparativa e Indicações
Para sintetizar as informações e auxiliar na tomada de decisão clínica, as tabelas a seguir detalham as vantagens, desvantagens, indicações e contra-indicações de cada modalidade de tratamento, enriquecidas com as evidências mais recentes.
Tabela 1: Análise Comparativa dos Principais Métodos de Expansão
Característica | ERM - Hyrax | MARPE | SARPE (Cirúrgico) | Alinhadores Transparentes | |
Indicação Principal | Crianças e adolescentes (6-15 anos) | Adolescentes tardios e adultos (15-30 anos) | Adultos (>25-30 anos) | Adultos com mordida cruzada dentoalveolar leve | |
Tipo de Ancoragem | Dentária | Esquelética (mini-implantes) | Óssea (pós-cirurgia) | Dentária | |
Efeito Principal | Ortopédico/Dentoalveolar | Predominantemente Esquelético | Puramente Esquelético | Puramente Dentoalveolar | |
Invasividade | Mínima | Minimamente Invasivo | Altamente Invasivo | Mínima | |
Efetividade em Adultos | Baixa a nula | Alta (em casos selecionados) | Muito Alta | Limitada a casos dentários | |
Vantagens | Custo-benefício, técnica consagrada | Evita cirurgia, menos efeitos dentários | Padrão-ouro para grandes discrepâncias | Estética, conforto, higiene | |
Desvantagens | Limitado pela idade, inclinação dentária, risco de reabsorção radicular [50] | Custo, requer TCFC, curva de aprendizado, taxa de falha [32] | Custo elevado, morbidade, riscos cirúrgicos | Depende da colaboração, limitado a casos leves |
Tabela 2: Guia de Indicações e Contra-indicações
Método | Indicações | Contra-indicações |
ERM Convencional | Deficiência maxilar esquelética em pacientes em crescimento; mordida cruzada uni/bilateral; apinhamento. | Pacientes adultos com sutura ossificada [40]; problemas periodontais severos; deiscências/fenestrações ósseas [10]. |
MARPE | Deficiência maxilar em adolescentes tardios e adultos jovens; alternativa à SARPE; expansões de 4-8mm. | Idade avançada (>35 anos); densidade óssea palatina muito baixa; discrepâncias transversais extremas (>10mm). |
SARPE | Deficiência maxilar severa em adultos (>25-30 anos); falha de MARPE; expansões >8-10mm. | Condições médicas que contra-indicam cirurgia geral; problemas de coagulação; pacientes não colaboradores. |
Alinhadores | Mordida cruzada dentoalveolar leve a moderada; expansões de até 4 mm; alta demanda estética. | Deficiências esqueléticas significativas; necessidade de efeito ortopédico; má colaboração do paciente. |
Aparelhos impressos 3D em Metal | Casos que requerem design customizado; aparelhos ancorados em mini-implantes; busca por ajuste e conforto máximos. | Limitações financeiras; clínicas sem acesso a fluxo de trabalho digital. |
XII. Limitações, Complicações e o Papel da Evidência Científica
Apesar dos avanços, cada modalidade possui limitações. A tomada de decisão deve ser guiada por evidências.
• Limitações e Complicações:
◦ ERM Convencional: Limitada pela idade, com riscos de inclinação dentária, deiscências ósseas [10] e reabsorção radicular externa, como investigado por Martins et al. (2016) no Angle Orthodontist [50].
◦ MARPE: Taxa de sucesso para casos cuidadosamente selecionados e taxa de complicação de até 18.5% [32] [33]. Fatores de falha incluem idade, densidade óssea e posicionamento dos parafusos.
◦ SARPE: Morbidade pós-operatória, custos e riscos cirúrgicos.
XIII. Conclusões
A jornada do tratamento da mordida cruzada posterior nas últimas décadas foi de uma evolução notável, marcada pela transição do analógico para o digital e pela superação de barreiras biológicas. A compreensão da etiologia tornou-se mais refinada, aprofundando o conhecimento sobre a história natural da condição e suas assimetrias associadas. A revolução no diagnóstico e planejamento 2D para recursos digitais 3D, associados ou não à ancoragem esquelética, que vem se aperfeiçoado e refinando com a avaliação da maturação sutural e dos riscos periodontais. No campo terapêutico, o desenvolvimento do MARPE, com validação em múltiplos estudos, e a ascensão da impressão 3D em metal, otimizaram a customização e a eficiência dos tratamentos instituidos.
O maior avanço, contudo, é conceitual: o reconhecimento de que o tratamento transcende a ortodontia, exigindo uma abordagem interdisciplinar com as diversas especialidades odontologicas e da area de saúde, o que garante um tratamento equilibrado e estável, solidificado por uma prática baseada em evidências robustas.
XIV. Referências
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